quarta-feira, 2 de março de 2011

Entrevista com Roger Miret do Agnostic Front - Revista Rock Press (Março 98)


Entrevista com Roger Miret do Agnostic Front - Revista Rock Press (Março 98)

» O que você andou fazendo nos últimos anos enquanto o Agnostic Front não estava tocando?
Eu estava em NY, tocando em bandas diferentes, fazendo coisas diferentes, indo a muitos shows de hardcore e trabalhando, tentando construir minha carreira.

» Você tocou em outra banda?
Sim, eu estava e estou em outra banda chamada Lady Luck.

» Correu um rumor de que você andou trabalhando de mecânico?
Sim, mecânico da Harley Davidson.

» Você parou?
Sim, eu tive que parar agora por causa dessas coisas todas que andamos fazendo com a banda. Mas eu trabalhei com isso bastante tempo.

» Por toda sua carreira o Agnostic Front sempre atraiu um público muito eclético, atraíram toda espécie de gente, de headbangers a punks e todo o resto. Vocês já tiveram problemas com isso?
Sim. Quero dizer, sempre houve nos shows milhares de pessoas de cabelos curtos, compridos, também milhares de skinheads e punk-rockers, milhares de skins nazistas e skins não nazistas e muitos não se topavam, mas agora está tudo mais calmo, entende.

» Por falar em skinheads, vocês estão ligados a isso hoje em dia?
É claro que sim. Uma vez nessa você está nisso para sempre. Estamos ligados a skinheads e punk-rockers, essas são nossas raízes e estaremos nessa até morrermos.

» O Agnostic Front tem nele próprio pessoas de várias etnias...
É claro! Se você é skinhead não significa que você seja racista. Há muitos skinheads não nazistas. Nosso pessoal skinhead é de skinheads não-racistas. Eu mesmo sou hispânico, eu sou de Cuba.

» Você nasceu em Cuba?
Sim, eu nasci em Cuba.

» E como você foi parar nos Estados Unidos?
Eu era uma criança, tinha cinco anos. Fui com a minha mãe.

» E você já teve problemas com skinheads nazistas por isso?
Sim, claro. Para mim todo mundo tem o direito de acreditar no que quiser acreditar desde que não me chateiem, é o credo deles. Mas se você é um skinhead nazista e não concorda comigo, só não venha brigar comigo.

» Você esteve na prisão por algum tempo, não foi?
Sim.

» E por que foi isso? Você se importa de falar nisso?
É, eu não gosto de falar sobre isso, não quero levar isso para o público. Não quero que quando eu volte ao Brasil as pessoas fiquem me questionando a respeito disso.

» Eu ia te perguntar se você ainda hoje está ligado com as coisas que te puseram na prisão... Mas eu acho que não, deixa pra lá...
Eu não estou ligado a crimes agora!

» Teve um outro cara na banda que esteve na prisão contigo, não foi? Parece que lá dentro vocês eram forçados a ter problemas um com o outro por ele ser branco e você hispânico... Isso de alguma forma acontece na banda?
Não. Na prisão as coisas são esquisitas, são estranhas. Na prisão não importa se você não é racista, não importa o que você pensa, existe muito ódio, é uma questão de situação. Você tem que se juntar ao seu pessoal. Se você não o fizer vai acabar morto, entende o que eu quero dizer?

» Quer falar alguma coisa sobre Raybeez (vocalista do Warzone, falecido uma semana antes desta entrevista, vítima de uma pneumonia)?
Claro, Raybeez era meu melhor amigo. Ele dava sentido ao United Blood. O que aconteceu com ele foi muito estranho, de repente ele ficou doente e morreu. Teremos um grande show beneficente em NY em sua homenagem agora, dia 12 de outubro. Tocarão Agnostic Front, Murphyís Law, Sick of it All, Madball, Killing Time, Cause For Alarm, H2O, SFA, Rejuvenate, 25 Ta Life e Crown of Thorns. Mas que show!

» O que você escuta hoje em dia?
Eu não tenho escutado muito Hardcore, escuto tipos diferentes de música, escuto todo tipo de música. Não escuto muito rock, não gosto. Gosto música negra, motown music, gosto de muita coisa do indie rock, como Fugazi, Quicksand, coisas assim.

» E o que mudou na cena Hardcore de NY desde o começo até hoje em dia?
Há uma diferença enorme. No começo da cena os espaços para shows eram pequenos, como esse em que nós estamos agora, e agora são milhares de pessoas.

» E a atitude é a mesma?
A atitude não é a mesma.

» O que mudou?
O que mudou? O que mudou é que eles ficaram grandes demais e não são mais uma família. Há mais crews, ganguezinhas... Não gangues realmente violentas, só pequenas crews, entende? Eles não são uma família então é difícil mantê-los juntos, próximos.

» E ainda há algum tipo de violência?
Não.

» Mas costumava haver, não?
Costumava haver sim. Houve uma época em que havia alguma violência. Entre 89 e 91 houve uma certa violência mas está mais calmo agora.

» E o que você acha desse Hardcore New School?
Eu gosto de alguma coisa disso. E tem também alguma coisa que eu não gosto, assim como no Hardcore old school tem alguma coisa que eu não gosto. Bandas new school que eu realmente gosto são como o Madball...

» Você considera o Madball uma banda new school?
A origem deles é old school mas agora eles têm um "sabor" mais new school.

» Mas eu me refiro a bandas como Earth Crisis, Snapcase...
Eu gosto do que eles dizem, gosto das letras. Eu não gosto da música. Gosto do que dizem, são boas pessoas mas eu não gosto dessa coisa metal.

» Me conte um pouco deste novo selo em que vocês estão.
É o (Hellcat???). A Hellcat vem através da Epitaph records e é basicamente para bandas de ska, bandas punk/hardcore como nós... É o selo de Tim do Rancid e tem um monte de boas bandas nele.

» Quanto à sua outra banda, o Lady Luck, como é?
Eu vou botar umas músicas para tocar hoje. Minha esposa canta, eu toco baixo. É como Quicksand, Fugazi, Smashing Pumpkins, Blondie... ela canta mais ou menos parecido com a (Debbie???) do Blondie. É meio indie rock, temos umas músicas punk rock.

» Com certeza a música underground como um todo não seria a mesma sem o Agnostic Front. Eu digo isso por mim mesmo, eu não seria a mesma pessoa sem ele. Como é ser tão importante não só na cena Hardcore mas em todo esse cenário musical pois em meios que não têm nada a ver com HC as pessoas conhecem e respeitam o Agnostic Front, deixe-me dar um exemplo... um headbanger não é um headbanger "respeitável" se não conhece o Agnostic Front. Como é isso e porque você acha que isso acontece?
Deixa eu te contar uma coisa, sobre o razão original por que escolhemos o nome Agnostic Front. Nós não queríamos ser uma banda, nós queríamos ser um movimento. Quando você pensa em Agnostic Front você não deve pensar em uma banda, você deve pensar em um movimento, uma atitude, é como a vida que você leva, é como o Hardcore. E é exatamente nisso que nós estamos envolvidos, Agnostic Front é um movimento Hardcore e nós estamos à frente disso.

» Agnostic (agnóstico) tem algo a ver com Deus ou coisa assim...
Agnóstico significa estar em dúvida de uma verdade absoluta que não necessariamente significa Deus, pode significar qualquer outra coisa. Originalmente éramos uma banda anti-religião, anti-sociedade, anti-guerra, como as bandas punk/HC originais. Nossa música é sobre isso, sobre união anti-religião, anti-sociedade.

» Você tem algum engajamento político?
Eu costumava ser mais politicamente envolvido com as coisas. Às vezes quando você se envolve em coisas politicamente pesadas é desagradável. Sabe, eu faço coisas e eu quero me divertir, quero ficar numa boa, quero ficar em paz, não quero ficar muito vinculado a coisas políticas mas eu sou muito preocupado politicamente com relação às coisas.

» Vocês planejam seguir com a banda daqui para frente?
Sim, claro.

» E vocês já gravaram um disco, não é?
Sim, já está gravado e vai ser mixado quando voltarmos.

» E já tem um nome?
Vai se chamar "Believe" ou "Today, tomorrow, forever"

» Vocês já fizeram um show aqui desde que chegaram. O que vocês têm achado até agora?
Foi um grande show. Eu adorei. Você estava lá?

» Não, não estava...
Eu espero que esta noite seja tão bom quanto ontem. Todo mundo estava pulando e agitando. O show de ontem foi incrível.

» Você não se assusta de tocar num lugar tão pequeno (o Black Jack, com uma capacidade inferior a 500 pessoas e um palco de cerca de 30cm de altura e 10m2 de área)?
Não, eu adoro isto. Eu me assusto sim é com lugares grandes. Eu prefiro tocar em lugares assim do que em qualquer festival a céu aberto. Isso é o que eu gosto de estar bem junto do pessoal. Você vai ver hoje à noite quando estivermos no palco, eu adoro estar em contato com as pessoas.

» Vocês já tocaram com bandas de Sick Of It All a Morbid Angel. Todo tipo de público os recebe bem?
Sim. Nos damos muito bem em toda espécie de lugar, e muito interessante isso.

» Billy Milano é seu empresário, não é?
No momento sim.

» Como é trabalhar com ele?
É legal. Estamos fazendo as coisas funcionarem. Billy é um cara legal.

» Mas vocês planejam continuar com ele?
No momento sim. E no momento nós temos que encontrar alguém aqui que vá lançar nossas novas músicas em espanhol, um selo local aqui no Brasil.

» Você é mais famoso por suas tatuagens do que por sua música...
Provavelmente... Puseram meu peito no cartaz!

» Como é estar em um selo não especializado em Hardcore, como já aconteceu com o Agnostic Front?
Sim, passamos por isso e foi uma merda. Pela primeira vez um selo vai estar conosco, é a primeira vez que podemos acreditar em um selo. Vamos receber apoio por detrás deste selo. Tim adora, ele ama o Agnostic Front, eu sei que ele vai fazer as coisas certas.

» Voltando a falar sobre o que mudou no Hardcore do início para hoje, você acha que ainda existe aquele sentimento faça você mesmo?
O problema é que... Nós faríamos nosso disco nós mesmos, eu sei que poderíamos, mas nós não temos dinheiro. Vendemos facilmente 100000 discos. Não poderíamos fornecer 100000 discos, não teríamos dinheiro para isso. Então é mais fácil deixar isso com alguém que vá levar isso a todo mundo. Eu ficaria feliz se pudesse encontrar alguém no Brasil que pudesse fazer isso a um bom preço para todos.

» Com relação a esse negócio de preço, me refiro a ingressos para shows, preços dos discos, parece que você se importa com isso...
Sim, claro!

» Quanto às novas músicas que vocês estão fazendo, estão na linha dos últimos trabalhos, na linha do One Voice, meio crossover ou estão mais na linha old school?
Old school! Esse álbum é como se fosse um Victim In Pain parte dois. Músicas de puro Hardcore energético e uma ou outra "punkosa". Vamos tocar umas hoje, talvez cinco.

» Vai cantar em espanhol?
Vou cantar uma em espanhol.

» Você sente saudades dos velhos tempos, tipo por volta de 85...?
Sim, é claro que sinto. Mas eu sei que nunca vai acontecer novamente então não vou ficar "tenho saudades, tenho saudades, tenho saudades" ou "eu queria... eu queria... eu queria...". Não pode mais ser. Me concentro no futuro, e isso é ótimo, faz o que está por vir importante.

» Mas você acha que os caras de hoje estão tendo a mesma coisa que vocês tiveram no passado?
Tenho certeza.

» Me diga algumas bandas novas que você acha que mereçam ser mencionadas.
Bandas novas que eu gosto? Eu gosto de H2O, Madball, Flame, Mindsnare... teve uma banda que eu escutei aqui que é muito boa, alguma coisa com Days... Dance Of Days! Eu gostei disso. São uma banda muito boa. Um cara veio até mim com o CD dizendo que não sabia se eu ia gostar, mas eu disse que gosto de vários tipos de música e que me deixasse escutar. Eu realmente achei ótimo. O Dance Of Days é grande. Muito bom.

» No passado várias bandas tiveram ligações com o Straight Edge mas há quem alegue que o Straight Edge se tornou um grupo à parte...
Eu mesmo sou um cara straight. Mas essa coisa se tornou militante... Pense na palavra militante, soa mal, soa fascista. Eles ficaram tão... "ei, você bebe, você fuma, você não é bom", compreende? Isso não é legal. A coisa é assim, as pessoas amam o Hardcore; pode ser Straight Edge, mas é Hardcore. O Agnostic Front não é Straight Edge mas é Hardcore, acho então que devemos nos unir e continuar acreditando e apoiando uns aos outros.

» E o que você conhece de bandas brasileiras?
Acho que está sendo a primeira vez que eu escuto bandas brasileiras, não posso ainda dar nomes...

» Mas vocês tocaram com algumas bandas brasileiras ontem...
É, eu gostei delas, eram... Muzzarelas, eles são bonzinhos, teve aquele... DFC...

» Quer deixar alguma coisa para terminar?
Eu só espero que venha todo mundo nos ver, e que fiquem unidos e fortes.

» Unidos e fortes, essa expressão parece significar muito para você, não é?
Unidos e fortes, isso é tudo, desde o começo.

» Você andou cantando em uma outra banda chamada UXB, o que aconteceu com ela?
Não era bem uma banda, era um projeto, eu fiz os vocais para eles. Eu não gosto e nunca gostei dela. Eu só fiz para ajudar, não é minha banda.

» Quer dizer mais alguma coisa?
Sim, apóiem sua cena Hardcore local. Apoiem todo o Hardcore e em especial a cena local pois se não for por seu esforço próprio, você não vai ter nada. E conheçam coisas diferentes, não se limitem só ao Hardcore. Abram suas mentes para idéias diferentes e façam de suas idéias realidade. Talvez seja por isso que o Agnostic Front é real. Pois a vida é realidade.